------------------------------------------------------------- ALVALADE-SADO!-------------------------------------------------------Blogue de informação geral sobre o mundo e o País que é Portugal

sexta-feira, 31 de julho de 2015

E Os programas de comentário político nas TV deviam começar com a música de um passo doble.






Para que servem as primeiras páginas dos jornais e os grandes casos dos noticiários das TV?

Se pensarmos no que as primeiras páginas e as aberturas dos telejornais nos disseram enquanto decorriam as traficâncias que iriam dar origem aos casos do BPN, do BPP, dos submarinos, das PPP, dos SWAPs, da dívida, e agora do Espírito Santo, é fácil concluir que servem para nos tourear.

Desde 2008 que as primeiras páginas dos Correios das Manhãs, os telejornais das Moura Guedes, os comentários dos Medinas Carreiras, dos Gomes Ferreiras, dos Camilos Lourenços, dos assessores do Presidente da República, dos assessores e boys dos gabinetes dos ministros, dos jornalistas de investigação, nos andam a falar de tudo e mais alguma coisa, excepto das grandes vigarices, aquelas que, de facto, colocam em causa o governo das nossas vidas, da nossa sociedade, os nossos empregos, os nossos salários, as nossas pensões, o futuro dos nossos filhos, dos nossos netos. Que me lembre falaram do caso Freeport, do caso do exame de inglês de Sócrates, da casa da mãe do Sócrates, do tio do Sócrates, do primo do Sócrates que foi treinar artes marciais para a China, enfim que o Sócrates se estava a abotoar com umas massas que davam para passar um ano em Paris, mas nem uma página sobre os Espírito Santo! É claro que é importante saber se um primeiro ministro é merecedor de confiança, mas também é, julgo, importante saber se os Donos Disto Tudo o são. E, quanto a estes, nem uma palavra. O máximo que sei é que alguns passam férias na Comporta a brincar aos pobrezinhos. Eu, que sei tudo do Freeport, não sei nada da Rioforte! E esta minha informação, num caso, e falta dela, noutro, não pode ser fruto do acaso. Os directores de informação são responsáveis pela decisão de saber uma e desconhecer outra.

Os jornais, os jornalistas, andaram a tourear o público que compra jornais e que vê telejornais.
Em vez de directores de informação e jornalistas, temos novilheiros, bandarilheiros, apoderados, moços de estoques, em vez de notícias temos chicuelinas.
Não tenho nenhuma confiança no espírito de auto critica dos jornalistas que dirigem e condicionam o meu acesso à informação: todos eles aparecerão com uma cara à José Alberto de Carvalho, à Rodrigues dos Santos, à Guedes de Carvalho, à Judite de Sousa (entre tantos outros) a dar as mesmas notícias sobre os gravíssimos casos da sucata, dos apelos ao consenso do venerando chefe de Estado, do desempenho das exportações, dos engarrafamentos do IC 19, das notas a matemática, do roubo das máquinas multibanco, da vinda de um rebenta canelas uzebeque para o ataque do Paiolense de Cima, dos enjoos de uma apresentadeira de TV, das tiradas filosóficas da Teresa Guilherme. Todos continuarão a acenar-me com um pano diante dos olhos para eu não ver o que se passa onde se decide tudo o que me diz respeito.

Tenho a máxima confiança no profissionalismo dos directores de informação, que eles continuarão a fazer o que melhor sabem:
tourear-nos. Abanar-nos diante dos olhos uma falsa ameaça para nos fazerem investir contra ela enquanto alguém nos espeta umas farpas no cachaço e os empresários arrecadam o dinheiro do respeitável público.

Não temos comunicação social: temos quadrilhas de toureiros, uns a pé, outros a cavalo.
Uma primeira página de um jornal é, hoje em dia e após o silêncio sobre os Espíritos Santo, um passe de peito.
Uma segunda página será uma sorte de bandarilhas.
Um editor é um embolador, um tipo que enfia umas peúgas de couro nos cornos do touro para a marrada não doer.
Um director de informação é um “inteligente” que dirige uma corrida.

Quando uma estação de televisão convida um Camilo Lourenço, um Proença de Carvalho, um Gomes Ferreira, um João Duque, um Judice, um Marcelo, um Miguel Sousa Tavares, um Angelo Correia, devia anunciá-los como um grupo de forcados: Os Amadores do Espirito Santo, por exemplo. Eles pegam-nos sempre e imobilizam-nos. Caem-nos literalmente em cima.

As primeiras páginas do Correio da Manhã podiam começar por uma introdução diária: Para não falarmos de toiros mansos, os nossos queridos espectadores, nem de toureios manhosos, os nossos queridos comentadores, temos as habituais notícias de José Sócrates, do memorando da troika, da imperiosa necessidade de pagar as nossas dividas.

Todos os programas de comentário político nas TV deviam começar com a música de um passo doble. Ou com a premonitória “Tourada” do Ary dos Santos, cantada pelo Fernando Tordo.

O silêncio que os “negócios “ da família "Dona Disto Tudo" mereceu da comunicação social, tão exigente noutros casos, é um atestado de cumplicidade: uns, os jornalistas venderam-se, outros queriam ser como os Espírito Santo. Em qualquer caso, as redacções dos jornais e das TV estão cheias de Espíritos Santos. Em termos tauromáticos, na melhor das hipóteses não temos jornalistas, mas moços de estoques. Na pior, temos as redacções cheias de vacas a que se chamam na gíria as “chocas”.

O que o silêncio cúmplice, deliberadamente cúmplice, feito sobre o caso Espírito Santo, o que a técnica do desvio de atenções, já usada por Goebels, o ministro da propaganda de Hitler, revelam é que temos uma comunicação social avacalhada, que não merece nenhuma confiança.

Quando um jornal, uma TV deu uma notícia na primeira página sobre Sócrates( e falo dele porque a comunicação social montou sobre ele um operação de barragem pelo fogo, que na altura justificou com o direito a sabermos o que se passava com quem nos governava e se esqueceu de nos informar sobre quem se governava) ficamos agora a saber que esteve a fazer como o toureiro, a abanar-nos um trapo diante dos olhos para nos enganar com ele e a esconder as suas verdadeiras intenções: dar-nos uma estocada fatal!

Porque será que comentadores e seus patrões, tão lestos a opinar sobre pensões de reforma, TSU, competitividade, despedimentos, aumentos de impostos, gente tão distinta como Miguel Júdice, Proença de Carvalho, Ângelo Correia, Soares dos Santos, Ulrich, Maria João Avilez e esposo Vanzeller, não aparecem agora a dar a cara pelos amigos Espirito Santo?

Porque será que os jornais e as televisões não os chamam, agora que acabou o campeonato da bola?

Um grande Olé aos que estão agachados nas trincheiras, atrás dos burladeros!

Carlos de Matos Gomes 
 

Nascido em 24/07/1946, em V. N. da Barquinha. Coronel do Exército (reforma). Cumpriu três comissões na guerra colonial em Angola, Moçambique e Guiné, nas tropas especiais «comandos».


quinta-feira, 30 de julho de 2015

É ...O medo de sair do Euro




Nunca se esqueçam de uma coisa: tudo o que está acontecer na Grécia, tudo o que aconteceu nestes últimos anos em Portugal e em Espanha, o mal estar em França, a angústia em Itália, é fruto do medo. O fruto maduro do medo de se sair do Euro. 
Imaginem um preso numa prisão há muitos anos: sonha com a liberdade mas tem medo. Na prisão conhece todos os amigos, lá fora já não tem ninguém, na prisão tem o seu lugar, a sua posição, o seu estatuto entre os outros, uma cama, comida, cuidados. Não é livre mas está habituado. E fica aterrorizado não com a ideia de continuar preso mas com a possibilidade de sair. Assim também somos todos. 

Temos um medo de morte de sair do Euro. Já todos sabemos, no Sul e nas margens da Europa, do Mar da Irlanda e do Atlântico até ao Mar Egeu, latinos, celtas e helénicos, católicos e cristãos ortodoxos, tudo o que nos chegará nos próximos 20 ou 30 anos. Está tudo escrito nos Tratados, tal como antigamente a verdade dos antigos estava anunciada nas Escrituras. 
A verdade é que seremos sempre obrigados a empobrecer. Teremos de ser alemães à força mas com o mesmo nível de vida dos moldavos. Poderemos sempre votar mas nunca poderemos decidir nem escolher. O nosso destino será sempre o do empobrecimento e o da política única. Nós, nunca mais poderemos fazer Política: a democracia-cristã e a social-democracia estão proibidos. Inconstitucionais. Uns são piegas e uns moles. Outros uns radicais de esquerda. Esqueçam as nossas Constituições: a Constituição que interessa é a do Tratado Orçamental e a do six pack e a ditada pelo Dr. Scäuble. Esqueçam as veleidades. Nunca mais seremos donos dos nossos destinos. 
Sabemos agora isto tudo. No fundo já vinhamos sabendo isto tudo. Mas temos todos medo. É o medo que nos mantém a todos unidos uns contra os outros. Os de cima contra os de baixo, os do Sul contra os do Norte, os perdedores contra os ganhadores, os credores contra os devedores. Mas é o medo que vai manter estes ressentimentos, estas humilhações, estas injustiças, cosidas e cerzidas pela amarra do Euro abrilhantada com as estrelas que nos ficam cravadas nos sonhos vãos de criar países e sociedades justas e decentes. 
Vamos caminhando pois todos juntos, como servos acorrentados às grilhetas do Euro, empobrecendo, decaindo, recuando. 
Chorem pois portugueses, espanhóis, italianos, franceses, irlandeses, pela Europa prometida dos sonhos de paz e de prosperidade. Vocês afinal têm aquilo que querem. Têm o vosso Euro não têm?



Carlos Reis (Facebook)

quinta-feira, 23 de julho de 2015

É que não há sopa, mas o prato tem que ter as medidas correctas...


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguM4jbS0YT0hUIdwJrsGenyWchxiA90Njog8N6A1JnH9UsxBfafBL1NUzN0Ya7fKhhcxjp_zSxm4LikoP3dV2quwd-epb4fEZKjrZADVxTtuNXO3F5RtCUt1F_eSEHTyTSUFhMbPfxS9g/s1600/1.gif
 
Há dias um pobre pediu-me esmola. Depois, encorajado pela minha generosidade e esperançoso na minha gravata, perguntou se eu fazia o favor de entregar uma carta ao senhor ministro. Perguntei-lhe qual ministro e ele, depois de pensar um pouco, acabou por dizer que era ao ministro que o andava a ajudar. O texto é este:

"Senhor ministro, queria pedir-lhe uma grande ajuda: veja lá se deixa de me ajudar. Não me conhece, mas tenho 72 anos, fui pobre e trabalhei toda a vida. Vivia até há uns meses num lar com a minha magra reforma. Tudo ia quase bem, até o senhor me querer ajudar.

Há dois anos vierem uns inspectores ao lar. Disseram que eram de uma coisa chamada Azai. Não sei o que seja. O que sei é que destruíram a marmelada oferecida pelos vizinhos e levaram frangos e doces dados como esmola. Até os pastelinhos da senhora Francisca, de que eu gostava tanto, foram deitados fora. Falei com um deles, e ele disse-me que tudo era para nosso bem, porque aqueles produtos, que não estavam devidamente embalados, etiquetados e refrigerados, podiam criar graves problemas sanitários e alimentares. Não percebi nada e perguntei-lhe se achava bem roubar a comida dos pobres. Ele ficou calado e acabou por dizer que seguia ordens.

Fiquei então a saber que a culpa era sua e decidi escrever-lhe. Nessa noite todos nós ali passámos fome, felizmente sem problemas sanitários e alimentares graves.

Ah! É verdade. Os tais fiscais exigiram obras caras na cozinha e noutros locais. O senhor director falou em fechar tudo e pôr-nos na rua, mas lá conseguiu uns dinheiritos e tudo voltou ao normal. Como os inspectores não regressaram e os vizinhos continuaram a dar-nos marmelada, frangos e até, de vez em quando, os belos pastéis da tia Francisca, esqueci-me de lhe escrever. Até há seis meses, quando destruíram tudo.

Estes não eram da Azai. Como lhe queria escrever, procurei saber tudo certinho. Disseram-me que vinham do Instituto da Segurança Social. Descobriram que estava tudo mal no lar. O gabinete da direcção tinha menos de 12 m2 e na instalação sanitária do refeitório faltava a bancada com dois lavatórios apoiados sobre poleias e sanita com apoios laterais. Os homens andaram com fitas métricas em todas as janelas e portas e abanaram a cabeça muitas vezes. Havia também um problema qualquer com o sabonete, que devia ser líquido.

Enfureceram-se por existirem quartos com três camas, várias casas de banho sem bidé e na área destinada ao duche de pavimento (ligeiramente inferior a 1,5 m x 1,5 m) não estivesse um sistema que permita tanto o posicionamento como o rebatimento de banco para banho de ajuda (uma coisa que nem sei o que seja). Em resumo, o lar era uma desgraça e tinha de fechar.

Ultimamente pensei pedir aos senhores fiscais para virem à barraca onde vivo desde então, medir as janelas e ver as instalações sanitárias (que não há!). Mas tenho medo que ma fechem, e então é que fico mesmo a dormir na rua.

Mas há esperança. Fui ontem, depois da missa, visitar o lar novo que o senhor prior aqui da freguesia está a inaugurar, e onde talvez tenha lugar. Fiquei espantado com as instalações. Não sei o que é um hotel de luxo, porque nunca vi nenhum, mas é assim que o imagino. Perguntei ao padre por que razão era tudo tão grande e tão caro. Afinal, se fosse um bocadinho mais apertado, podia ajudar mais gente. Ele respondeu que tinha apenas cumprido as exigências da lei (mais uma vez tem a ver consigo, senhor ministro). Aliás o prior confessou que não tinha conseguido fazer mesmo tudo, porque não havia dinheiro, e contava com a distracção ou benevolência dos inspectores para lhe aprovarem o lar. Se não, lá ficamos nós mais uns tempos nas barracas.

Senhor ministro, acredito que tenha excelentes intenções e faça isto por bem. Como não sabe o que é a pobreza, julga que as exigências melhoram as coisas. Mas a única coisa que estas leis e fiscalizações conseguem é criar desigualdades dentro da miséria. Porque não se preocupam com as casas dos pobres, só com as que ajudam os pobres."

Triste País que procede assim com os pobres….


Recebido por Email
 

terça-feira, 7 de julho de 2015

João Maria Tudela .Cantor e agente secreto

Em Novembro de 1968, quando João Maria Tudella subiu ao palco do Teatro Vilaret para interpretar canções com palavras rebeldes da poesia portuguesa – José Gomes Ferreira, Manuel Alegre, Reinaldo Ferreira -, pouca gente saberia que aquele era o último espectáculo ao vivo de um cançonetista que tinha atingido o ponto mais alto da maturidade e do sucesso. Por essa altura, Tudella acabara de aceitar um desafio que o levaria a mudar de vida. Tratava-se de um convite de Jorge Jardim para um «trabalho sigiloso». João Maria Tudella gravou o seu último disco, publicado no ano seguinte, depois saiu de cena e passou a trabalhar nos bastidores da alta política como agente secreto.
- O engenheiro Jorge Jardim perguntou-me se eu via com bons olhos colaborar com ele com vista a uma independência multirracial de Moçambique.
Tudella aceitou, embora sabendo que «iria correr alguns riscos». Conhecia Jardim de Moçambique, de onde partira no início da década para construir uma carreira artística, e estava de acordo com os projectos do empresário em relação ao futuro do território. Havia uma alternativa para a política de guerra colonial: negociar a independência enquanto Portugal tivesse força para apresentar e impor condições que salvaguardassem os interesses da comunidade portuguesa.
Tudella, «um africano, branco, nascido em Moçambique», como o apresentara a imprensa, viajava então por palcos portugueses, brasileiros, espanhóis, venezuelanos, sul-africanos. Os meios que frequentava abriam-lhe as portas para o «trabalho sigiloso» em que se aventurou. Jorge Jardim, com uma longa carreira de actividades secretas, ensinou-lhe «algumas técnicas» para o seu novo trabalho: cifrar e decifrar mensagens, técnicas conspirativas para encontros e desencontros.
- «Até tive que aprender a saltar em páraquedas e não me esqueço do primeiro salto. Fui empurrado por uma das irmãs Jardim», recorda.
O seu disfarce para os contactos que então travou era o de um playboy internacional que frequentava hotéis de cinco estrelas e se passeava em limousines.
- Digamos que esse disfarce vinha ao encontro dos meus maiores e mais íntimos desejos. Eu era pago principescamente para frequentar os melhores lugares do mundo».
E se é certo que tinha a consciência de que «corria alguns riscos», também era verdade que sentia as costas quentes.
- Quando marcava um encontro, ou esperava um contacto, no hotel tal, às tantas horas, eu sabia que, no quarto ao lado, estaria alguém para me proteger. Mas por vezes cheguei a pensar que, se as coisas corressem mal, esse «alguém» poderia não chegar a tempo.
Para os seus contactos, João Maria Tudella usava diferentes pseudónimos. «The Count», para os ingleses, «Sinatra», para os americanos, «Aramis» para os franceses, ou simplesmente «414» para os árabes. Do outro lado estavam «pessoas».
- Os serviços secretos são constituídos por pessoas.
Tudella admite que teve contactos privilegiados com os serviços franceses dirigidos pelo Conde de Marénches. E também não exclui que os seus contactos tenham passado para lá do Muro de Berlim.
- Nos bastidores, nem sempre os inimigos são inimigos.
Mas foi a homens dos serviços franceses que, no início dos anos 70, João Maria Tudella, aliás «The Count», entregou em Paris um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros tanzaniano, dias antes «desviado» em Londres.

O rapto
Jorge Jardim, conspirador
Os planos de Jorge Jardim para Moçambique passavam, necessariamente, pelos países limítrofes da antiga colónia portuguesa que apoiavam, em maior ou menor grau, a FRELIMO e a luta pela independência. Jardim exercia completo ascendente sobre o presidente do Malawi, Hastings Banda, e mantinha relações regulares com os presidentes da Zâmbia, Kenneth Kaunda, e da Tanzânia, Julius Nyerere. No início dos anos 70, sob influência de Pequim, Nyerere radicalizou as suas posições e demitiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Óscar Kambona. Jardim perdeu o seu interlocutor em Dar-es-Salam, que se refugiou em Londres, onde lhe veio a ser fixada residência.
João Maria Tudella foi enviado por Jorge Jardim para Londres, com a missão de raptar o ex-ministro tanzaniano. E a missão não foi impossível. Tudella e uma «acompanhante» infiltraram-se no círculo de relações do ministro exilado, ganharam o seu apoio e dias depois, com identificação falsa, Kambona deixava a residência fixa e embarcava para França.
- Em Paris, à chegada, alguém me daria o braço, amigavelmente, e me diria uma senha à qual eu responderia com uma contrassenha. Era o contacto a quem teria que entregar o ministro da Tanzânia.
A «Operação Óscar» não ficou por ali. O ex-ministro tanzaniano, que se deixou raptar, esteve posteriormente, com outra identidade, instalado num hotel de Lisboa, onde manteve contactos com Jorge Jardim. Mas aí já Tudella saíra de cena. As acções eram compartimentadas.
- O engenheiro Jorge Jardim só dizia o que queria que os outros soubessem.
Os planos de Jardim culminaram, em Setembro de 1973, com a assinatura, em Lusaka, de um acordo com vista a uma proclamação de independência de Moçambique, negociada com os países limítrofes e com a FRELIMO. O acordo foi negociado à margem do poder instalado em Lisboa e os contactos desenvolvidos por Tudella tiveram que iludir a vigilância da PIDE.
- Contactava com o engenheiro Jardim por telex e correio, mandando e recebendo informações com pistas falsas destinadas a iludir a PIDE – recorda João Maria Tudella. - Os verdadeiros relatórios eram enviados em código.
Kambona, o raptado
Em meados de Abril de 1974, com o regime em agonia, Jorge Jardim apresentou o Acordo de Lusaka a Marcelo Caetano. O chefe do Governo considerou que Jardim tinha «ido longe de mais» e rejeitou o projecto, como antes recusara outros relativos à Guiné. Jardim, que tomara providências para a hipótese de ser preso durante a audiência com Caetano, marcou o regresso a Moçambique decidido a accionar o processo de independência unilateral de Moçambique. A agência de viagens marcou-lhe a passagem para 26 de Abril.
Já depois do 25 de Abril, com Jardim alvo de um mandado de captura emitido pela Junta de Salvação Nacional, Tudella foi incumbido de apresentar o Acordo a Otelo Saraiva de Carvalho. O comandante do COPCON recebeu o documento com «entusiasmo», diz Tudella. E acrescenta que o seu «velho amigo» Otelo se dispôs a encontrar-se com Jorge Jardim em Espanha ou na Suazilândia, mas não compareceu a qualquer dos encontros. A verdade, reconhece Tudella, é que para a parte moçambicana, representada pela FRELIMO, o Acordo de Lusaka e o próprio Jorge Jardim tinham deixado de ser necessários como meios para chegar ao poder.
Para João Maria Tudella, era o momento para voltar a sair de cena.

De Kanimambo à Liberdade
Em 1968, o Natal dos Hospitais era o único programa de variedades transmitido em directo pela RTP. E foi no Natal dos Hospitais, em directo pela televisão e para uma plateia onde pontificavam os bonzos da TV única, que João Maria Tudella cantou «Cama 4, Sala 5», de José Carlos Ary dos Santos e Nuno Nazareth Fernandes.
Cantarei livremente // e direi ao meu povo // que não caia doente // que não morra de novo.
Ramiro Valadão não gostou do refrão e, no dia seguinte, Melo Pereira comunicou a Tudella, em nome do presidente da RTP: «Você arruinou a sua carreira». Só voltou à televisão em 1987, pela mão de Carlos Pinto Coelho.
João Maria Tudella chegara a Lisboa, vindo de Lourenço Marques, no início dos anos 60, trazendo um grande êxito popular no reportório: «Kanimambo». O Diário Popular apresentou-o como «uma voz que pode estar na Broadway, Pigalle ou Estoril». O que é certo é que os discos, os espectáculos em palco e na TV, as digressões em Portugal e pelo mundo se multiplicaram e Tudella somou êxitos com um reportório de cançonetas ligeiras.
Em 1968, Tudella deu uma grande e corajosa volta ao texto do reportório, no qual passou a incluir poemas de José Gomes Ferreira: «Fuzilaram um homem num país distante…», alusivo ao assassínio de Humberto Delgado; de Reinaldo Ferreira: «Quero um cavalo de várias cores» e «Flor de lapela»; ou de Manuel Alegre: «Liberdade». O disco saiu em 1969 e, enquanto as censuras não deram por isso, algumas das canções passaram em alguma rádio.

Texto retirado do blogue de João Paulo Guerra  (Diz-se que é uma espécie de Democracia)