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sexta-feira, 23 de junho de 2017

NUNCA HOUVE UMA GUERRA SEM MORTANDATE. O MAL É DA GUERRA

. E DE MAIS NINGÙÉM

Jaime Neves
General Comando

Estávamos em 21 de Maio de 1967, quando ao cair da noite fomos informados que no dia seguinte bem cedo partíamos para uma operação na zona do Lunho.
Durante o serão e como sempre, esgotámos tudo o que era bebível... cerveja, laranjada e até a popular DOLKA ( leite com chocolate). Sim, porque a ideia dominante que sempre nos acompanhou, é que havia ir, mas voltar era uma incógnita.
Os Cipaios que geralmente nos acompanhavam, armazenavam no cantil todo o vinho que podiam receber. Pelo contrário, nós tentávamos levar o máximo possível de água nos cantis.
Quando chamei a atenção aos Africanos que eram os carregadores do material Rádio, responderam-me que íamos encontrar muita água. E foi a água a causa maior da nossa desgraça.





Depois de palmilharmos alguns Quilómetros encontrámos uma fonte, onde tudo o que era Africano e depois de terem bebido toda o vinho "água de Lisboa" preparavam-se para se abastecer de água. E aí começaram a rebentar as armadilhas. Mais de uma dezena de feridos, entre eles o Alf.Sancho (hoje já falecido) que viria a ser evacuado para a Metrópole.
De imediato enviei um ZULU para o Comando do Sector a pedir evacuações.

Quando já dois hélios pairavam no ar sobre nós, eu com o rádio HC dava indicações aos pilotos onde deviam poisar. Caminhava por uma vereda, ouvi uma voz atrás de mim: deixa-me passar "Alvalade", era o Cabo Leão, deu dois ou três passos e pisou uma mina anti-pessoal. Ficou todo queimado da cintura para baixo. Só nos pedia que acabássemos com ele. A sua missão era que com a sua secção fazer a segurança aos helicópteros. Se não fosse o Leão a pisá-la pela certa teria sido eu.
Depois da evacuação até Nova Coimbra, local onde os feridos esperaram pelas DO que os transportaram até ao hospital de Vila Cabral, o Cabo Leão morreu.
Quando retirámos e já no quartel, verificámos que com a azáfama do tratamento e evacuação dos feridos, deixámos duas G3 no terreno.
No dia seguinte, aparece no nosso barracão, o Alf.Monteiro (hoje falecido) a pedir voluntários para irem ao local do onde deixámos as armas. Voluntários a regressar ao local onde tínhamos tido 17 feridos e um morto, tudo por causa de minas e armadilhas? Missão quase impossível a do Alf.Monteiro.Depois de muita retórica e algumas piadas a incentivarem-nos lá fomos buscar as armas. Já no local, de cada vez que se dava um passo esperava-se rebentar outra mina. Felizmente que nada aconteceu.
Depois da evacuação dos feridos, de permeio, tivemos no Quartel de Nova Coimbra, a visita do Comandante do Batalhão Ten Coronel José Rodrigues Maria da Matta, (hoje já falecido) e a do nosso Capelão.
Deste episódio ficou-me na memória uma frase dita na homilia pelo sr.Capelão que passo a citar: DEUS ESTÁ CONNOSCO. Como alguns dias depois retomámos a mesma operação, vim a confirmar que Deus também estava com os guerrilheiros da Frelimo.

Mas isso fica para contar mais tarde...

José do Rosário

CCAÇ 1558

sábado, 17 de junho de 2017

O João Maria Tudela .Cantor e Agente Secreto (Ao serviço de Jorge Jardim)



Em Novembro de 1968, quando João Maria Tudella subiu ao palco do Teatro Vilaret para interpretar canções com palavras rebeldes da poesia portuguesa – José Gomes Ferreira, Manuel Alegre, Reinaldo Ferreira -, pouca gente saberia que aquele era o último espectáculo ao vivo de um cançonetista que tinha atingido o ponto mais alto da maturidade e do sucesso. Por essa altura, Tudella acabara de aceitar um desafio que o levaria a mudar de vida. Tratava-se de um convite de Jorge Jardim para um «trabalho sigiloso». João Maria Tudella gravou o seu último disco, publicado no ano seguinte, depois saiu de cena e passou a trabalhar nos bastidores da alta política como agente secreto.
- O engenheiro Jorge Jardim perguntou-me se eu via com bons olhos colaborar com ele com vista a uma independência multirracial de Moçambique.
Tudella aceitou, embora sabendo que «iria correr alguns riscos». Conhecia Jardim de Moçambique, de onde partira no início da década para construir uma carreira artística, e estava de acordo com os projectos do empresário em relação ao futuro do território. Havia uma alternativa para a política de guerra colonial: negociar a independência enquanto Portugal tivesse força para apresentar e impor condições que salvaguardassem os interesses da comunidade portuguesa.
Tudella, «um africano, branco, nascido em Moçambique», como o apresentara a imprensa, viajava então por palcos portugueses, brasileiros, espanhóis, venezuelanos, sul-africanos. Os meios que frequentava abriam-lhe as portas para o «trabalho sigiloso» em que se aventurou. Jorge Jardim, com uma longa carreira de actividades secretas, ensinou-lhe «algumas técnicas» para o seu novo trabalho: cifrar e decifrar mensagens, técnicas conspirativas para encontros e desencontros.
- «Até tive que aprender a saltar em páraquedas e não me esqueço do primeiro salto. Fui empurrado por uma das irmãs Jardim», recorda.
O seu disfarce para os contactos que então travou era o de um playboy internacional que frequentava hotéis de cinco estrelas e se passeava em limousines.
- Digamos que esse disfarce vinha ao encontro dos meus maiores e mais íntimos desejos. Eu era pago principescamente para frequentar os melhores lugares do mundo».
E se é certo que tinha a consciência de que «corria alguns riscos», também era verdade que sentia as costas quentes.
- Quando marcava um encontro, ou esperava um contacto, no hotel tal, às tantas horas, eu sabia que, no quarto ao lado, estaria alguém para me proteger. Mas por vezes cheguei a pensar que, se as coisas corressem mal, esse «alguém» poderia não chegar a tempo.
Para os seus contactos, João Maria Tudella usava diferentes pseudónimos. «The Count», para os ingleses, «Sinatra», para os americanos, «Aramis» para os franceses, ou simplesmente «414» para os árabes. Do outro lado estavam «pessoas».
- Os serviços secretos são constituídos por pessoas.
Tudella admite que teve contactos privilegiados com os serviços franceses dirigidos pelo Conde de Marénches. E também não exclui que os seus contactos tenham passado para lá do Muro de Berlim.
- Nos bastidores, nem sempre os inimigos são inimigos.
Mas foi a homens dos serviços franceses que, no início dos anos 70, João Maria Tudella, aliás «The Count», entregou em Paris um ex-ministro dos Negócios Estrangeiros tanzaniano, dias antes «desviado» em Londres.

O rapto
Jorge Jardim, conspirador
Os planos de Jorge Jardim para Moçambique passavam, necessariamente, pelos países limítrofes da antiga colónia portuguesa que apoiavam, em maior ou menor grau, a FRELIMO e a luta pela independência. Jardim exercia completo ascendente sobre o presidente do Malawi, Hastings Banda, e mantinha relações regulares com os presidentes da Zâmbia, Kenneth Kaunda, e da Tanzânia, Julius Nyerere. No início dos anos 70, sob influência de Pequim, Nyerere radicalizou as suas posições e demitiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Óscar Kambona. Jardim perdeu o seu interlocutor em Dar-es-Salam, que se refugiou em Londres, onde lhe veio a ser fixada residência.
João Maria Tudella foi enviado por Jorge Jardim para Londres, com a missão de raptar o ex-ministro tanzaniano. E a missão não foi impossível. Tudella e uma «acompanhante» infiltraram-se no círculo de relações do ministro exilado, ganharam o seu apoio e dias depois, com identificação falsa, Kambona deixava a residência fixa e embarcava para França.
- Em Paris, à chegada, alguém me daria o braço, amigavelmente, e me diria uma senha à qual eu responderia com uma contrassenha. Era o contacto a quem teria que entregar o ministro da Tanzânia.
A «Operação Óscar» não ficou por ali. O ex-ministro tanzaniano, que se deixou raptar, esteve posteriormente, com outra identidade, instalado num hotel de Lisboa, onde manteve contactos com Jorge Jardim. Mas aí já Tudella saíra de cena. As acções eram compartimentadas.
- O engenheiro Jorge Jardim só dizia o que queria que os outros soubessem.
Os planos de Jardim culminaram, em Setembro de 1973, com a assinatura, em Lusaka, de um acordo com vista a uma proclamação de independência de Moçambique, negociada com os países limítrofes e com a FRELIMO. O acordo foi negociado à margem do poder instalado em Lisboa e os contactos desenvolvidos por Tudella tiveram que iludir a vigilância da PIDE.
- Contactava com o engenheiro Jardim por telex e correio, mandando e recebendo informações com pistas falsas destinadas a iludir a PIDE – recorda João Maria Tudella. - Os verdadeiros relatórios eram enviados em código.
Kambona, o raptado
Em meados de Abril de 1974, com o regime em agonia, Jorge Jardim apresentou o Acordo de Lusaka a Marcelo Caetano. O chefe do Governo considerou que Jardim tinha «ido longe de mais» e rejeitou o projecto, como antes recusara outros relativos à Guiné. Jardim, que tomara providências para a hipótese de ser preso durante a audiência com Caetano, marcou o regresso a Moçambique decidido a accionar o processo de independência unilateral de Moçambique. A agência de viagens marcou-lhe a passagem para 26 de Abril.
Já depois do 25 de Abril, com Jardim alvo de um mandado de captura emitido pela Junta de Salvação Nacional, Tudella foi incumbido de apresentar o Acordo a Otelo Saraiva de Carvalho. O comandante do COPCON recebeu o documento com «entusiasmo», diz Tudella. E acrescenta que o seu «velho amigo» Otelo se dispôs a encontrar-se com Jorge Jardim em Espanha ou na Suazilândia, mas não compareceu a qualquer dos encontros. A verdade, reconhece Tudella, é que para a parte moçambicana, representada pela FRELIMO, o Acordo de Lusaka e o próprio Jorge Jardim tinham deixado de ser necessários como meios para chegar ao poder.
Para João Maria Tudella, era o momento para voltar a sair de cena.

De Kanimambo à Liberdade
Em 1968, o Natal dos Hospitais era o único programa de variedades transmitido em directo pela RTP. E foi no Natal dos Hospitais, em directo pela televisão e para uma plateia onde pontificavam os bonzos da TV única, que João Maria Tudella cantou «Cama 4, Sala 5», de José Carlos Ary dos Santos e Nuno Nazareth Fernandes.
Cantarei livremente // e direi ao meu povo // que não caia doente // que não morra de novo.
Ramiro Valadão não gostou do refrão e, no dia seguinte, Melo Pereira comunicou a Tudella, em nome do presidente da RTP: «Você arruinou a sua carreira». Só voltou à televisão em 1987, pela mão de Carlos Pinto Coelho.
João Maria Tudella chegara a Lisboa, vindo de Lourenço Marques, no início dos anos 60, trazendo um grande êxito popular no reportório: «Kanimambo». O Diário Popular apresentou-o como «uma voz que pode estar na Broadway, Pigalle ou Estoril». O que é certo é que os discos, os espectáculos em palco e na TV, as digressões em Portugal e pelo mundo se multiplicaram e Tudella somou êxitos com um reportório de cançonetas ligeiras.
Em 1968, Tudella deu uma grande e corajosa volta ao texto do reportório, no qual passou a incluir poemas de José Gomes Ferreira: «Fuzilaram um homem num país distante…», alusivo ao assassínio de Humberto Delgado; de Reinaldo Ferreira: «Quero um cavalo de várias cores» e «Flor de lapela»; ou de Manuel Alegre: «Liberdade». O disco saiu em 1969 e, enquanto as censuras não deram por isso, algumas das canções passaram em alguma rádio.





Texto retirado do blogue de João Paulo Guerra  (Diz-se que é uma espécie de Democracia)