A "Traição de Omar" fez correr lágrimas a Spínola
Rompia
a manhã a 1 de Agosto de 1974, no aquartelamento do exército colonial,
chamado de «Ornar», mas cuja verdadeira designação era Nametil. Estava
no seu comando interino o alferes José Carlos Monteiro. Para eles,
certamente, a guerra já tinha acabado, perdidos num ermo de Cabo
Delgado, com uma vista monótona para a fronteira com a Tanzânia. Haviam
mesmo começado a destruir algum material, pois estava previsto o seu
encerramento. Ignoravam que eram, há muito, objecto de especial atenção, e que iriam ficar registados na história.
Em
Naschingwea, face ao impasse negocial, depois das falhadas negociações
de Junho, era necessário realizar uma acção capaz de acelerar a marcha
dos acontecimentos. Escolhe-se o posto de Omar.
Estudam-se as suas envolventes e chega-se mesmo a fazer uma maqueta do
aquartelamento. Ou a operação resultava em pleno ou as suas
consequências poderiam ser sérias e reacender a guerra, quando da parte
de uma das partes existe um estado de cessar-fogo. Samora Machel,
pessoalmente, estabelece a táctica. E recomenda, com alguma estranheza
para alguns, que a acção seja gravada em som e imagem. A 31 de Julho as
forças da FRELIMO, as FPLM, tinham cercado por completo o
aquartelamento. Inclusivamente colocado artilharia. Era responsável por
esta operação no terreno o comandante Salvador Mtu-muke. Bem próximo do
local, numa montanha, encontravam-se, em atenta observação, o adjunto
do Departamento de Defesa, Alberto Joaquim Chipande, assim como o
comandante do departamento de Defesa de Cabo Delgado, Raimundo
Pachinuapa. Tinham instalado um sistema de comunicações entre a frente
de operações, a base de comando e a Tanzânia, onde Samora Machel
aguardava com grande impaciência o desenrolar do plano estabelecido.
Quando
rompe a aurora do primeiro dia do mês de Agosto de 1974, os cento e
quarenta soldados do aquartelamento de Nametil são acordados por
megafones solicitando a sua rendição Todos estes pormenores da tomada
de Nametil foram gravados. A guarnição militar rende-se. Cento e
quarenta homens são feitos prisioneiros e três conseguiram fugir.
Seguirão para a Tanzânia, onde chegam a 6 de Agosto. Independentemente
da controvérsia, se a rendição resultou de um equívoco
ou simplesmente da tomada de decisão mais sensata do seu comandante de
não combater, face à situação política que se vivia e mesmo tendo em
causa a desproporção do equipamento e das armas, a tomada do quartel de
Nametil (Omar) não pode deixar de ser mencionada pelos reflexos que
teve. Mais do que uma vitória militar era uma vitória política.
O
presidente Spínola, com condição para uma ronda negocial, que se
inicia a 15 de Agosto, em Dar-es-Salam, exige que a FRELIMO apresente
desculpas pelo ocorrido em Ornar. Samora que engenhosamente tivera a
percepção de tudo gravar, faz com que a delegação chefiada por Melo
Antunes escute essa gravação. O que foi suficiente.
O
que se passou a 1 de Agosto, nesse aquartelamento, poder-se-ia passar
em qualquer outro ponto do país. Havia, da parte do exército português, a
total falta de vontade de dar mais um tiro e muito menos de continuar
uma guerra. Há factos indesmentíveis dessa realidade. O próprio general
António de Spínola o admite e escreve que a tomada de Omar era «uma arma
decisiva para Samora Machel na mesa de negociações. De militar para
militar efectivamente assim o foi.
494 António de Spínola, País sem Rumo – Contributo para a História de uma Revolução. Ed. Editorial SCIRE, p. 302
In MOÇAMBIQUE 1974 – O fim do Império e o Nascimento da Nação, de Fernando Amado Couto(2011)
*Omar, para as autoridades portuguesas.
NOTA:
Se
se comparar este texto com o que o Comandante Almeida e Costa relata,
tanto Almeida Santos, como Melo Antunes mentiram ao General Spínola,
além de não lhe fazerem a comunicação imediata dos acontecimentos de 1
de Agosto de 1974.
Diz
Almeida e Costa: “Não só pelas três sessões de trabalho mas, sobretudo,
pelo teor das surpresas que os esperam. A começar pela notícia de que a
Frelimo tinha capturado uma companhia inteira de militares portugueses
em Omar, no norte de Moçambique. Como se isso não bastasse, Samora
insistiu que se ouvissem as gravações e as entrevistas feitas com os
soldados capturados, apelando à rendição das forças portuguesas. «Foi
muito confrangedor», explica Almeida e Costa. Incluindo para o
terceiro-mundista Melo Antunes, que não resistiu a um desabafo: «Merda,
assim não se pode fazer nada». In http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/08/1_de_agosto_de__2.html
Assim a cassete veio para Portugal a 3/4 de Agosto e não a 17/18 de Agosto.
Porque a não apresentaram de imediato ao General Spínola?
Escreve o General Spínola:
“Assim, quando em 15 e 16 de Agosto, a Delegação Portuguesa (13)
se sentou à mesa das negociações em Dar-es-Salam, a facção predominante
do MFA, ali representada pelo Major Melo Antunes, já estava ao lado do
chamado Movimento de Libertação e, para que ainda se retirassem às
forças políticas todas as possibilidades de soluções razoáveis,
recorreu-se a formas de pressão impensáveis e só possíveis num quadro
de alta traição.
“Na
mesma ocasião fui informado de que aquela reunião havia sido aberta com
a audição de uma fita gravada da «rendição» de uma companhia
metropolitana no Norte de Moçambique, num cenário concertado com as
cúpulas marxistas do MFA e conhecido pela «traição de Omar» (14),
gravação que ficará a assinalar uma das páginas mais vergonhosas da
História do Exército Português ao oferecer a Samora Machel, na mesa das
negociações, uma arma decisiva. As afirmações produzidas no «acto da
rendição», designadamente as saudações à FRELIMO, como libertadora de
Moçambique e do próprio povo português, constituíram prova irrefutável
do índice de prostituição moral a que haviam chegado alguns militares
portugueses.” (In O PAÍS SEM RUMO, de António Spínola).
Ora,
a fita gravada, segundo Almeida e Costa, já fora ouvida por ele e Melo
Antunes na anterior estadia entre 31 de Julho e 3 de Agosto.
Agora escutem o que Almeida Santos diz sobre a reunião de 15/16 de Agosto à SIC emhttp://www.macua1.org/blog/sicalmeidasantos.html
Para quê este “teatro”?
Mas
porque é que “Samora Machel, pessoalmente, estabelece a táctica. E
recomenda, com alguma estranheza para alguns, que a acção seja gravada
em som e imagem.”(In Moçambique 1974, de Fernando Amado Couto)
Porque era preciso impressionar e levar o General Spínola a aceitar o que há muito já estava combinado entre o PS, PCP e FRELIMO, desde uma célebre reunião em Paris, onde, entre outros, a FRELIMO esteve presente. Recorde emhttp://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2010/04/a-outra-face-do-25-de-abril.html#more
E, para que não restem dúvidas, o autor da Newsletter aqui reproduzida, ainda felizmente vivo, me confirmou todo o seu conteúdo.
Resta ler-se a entrevista do Alferes Comandante em OMAR na altura, para se poder comparar do que é real do que é ou foi forjado.
Recorde aqui :http://bcac1891.blogspot.pt/2013/01/a-traicao-da-frelimo-e-ingenuidade-dos.html
Negando
o então Alferes comandante de Omar ter proferido as afirmações que lhe
são atribuídas por Almeida Santos, porque nunca foi tornada pública a
cassete apresentada ao General Spínola? Será que ainda existe? Porque
nunca foi ouvido qualquer dos elementos da companhia aprisionada?
OMAR
e WIRIAMU são dois acontecimentos cuja génese ainda não foi totalmente
dissecada. Mas que serviram na perfeição para a descolonização que foi
feita.
Fernando Gil
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