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terça-feira, 7 de novembro de 2017

5º Capítulo: Como eu vivi o 7 de Setembro de 1974 em Lourenço Marques Por: António Manuel Gomes Lopes (Pintinhas)

CHEGADA e ESTADIA NA ÁFRICA DO SUL

À chegada ao acampamento, entregaram-me um colchão, uma manta, umas calças e uma camisa. As pessoas iam-se acomodando como podiam debaixo das bancadas, tentando dormir ou descansar. Eu, ia mudando de sítio, queria ficar só e pensar no que tinha feito e o que me iria acontecer. Pensava na minha mulher e no meu filho, o que será deles. Essa noite, passei-a a revisitar os últimos acontecimentos da minha vida.
Estudantes Universitários de Lourenço Marque, 1974. 

Fiquei parvo com o que ouvia, muitos universitários, tinham aderido à FRELIMO, não sei se por medo se por conveniência. Muitos jovens da minha idade e meus amigos fizeram o mesmo. Houve quem relatasse que a morgue do Hospital estava pejada de cadáveres, muitos eram brancos e alguns tinham graxa preta no rosto.
Foi desolador e preocupante ouvir aqueles relatos, a minha família estava em LM e, eu não sabia nada deles. Tomei por verdade o que ouvia mas, coloquei algumas reticências. Mais tarde a polícia sul-africana tudo me confirmou.
No dia seguinte dirigi-me ao Oficial da Polícia, já não do dia anterior. Apresentei-me e com muita simpatia informou-me que "vamos tratar do seu assunto". Sabemos que tem família na África do Sul, respondi que sim mas, bem longe em Bloenfontein. Tem aqui o telefone ligue para a sua família para encontrarmos a via mais fácil de a sua mulher e seu filho se reunirem consigo. Telefonei ao meu pai, este como sempre, queria-nos era a salvo e bem. Como era muito perigoso não poderia ir à Matola dar o meu recado aos meus sogros. Fiquei de telefonar novamente para vermos o que de melhor poderíamos fazer.  O novo contacto foi para o meu sogro e este prontificou-se a levar a filha e o neto à fronteira de Ressano Garcia . Apenas tinha que saber aonde os deixar pois não possuíam passaporte. Expliquei tudo à Pilícia Sul-Africana  e de imediato estes delinearam um plano. Enviaram alguém com o nome de código"OSCAR" , todo vestido de azul e ficava à espera a cerca de 2 Kms da fronteira. Sabendo que era o meu sogro que os transportava, comuniquei à polícia que os meus familiares vinham num Ford Escort vermelho com uma determinada matrícula.
Foram horas de desespero, cerca das 3 da tarde, foi-me dito que deveria ir ao portão central, pois alguém queria falar comigo. Foi um momento de tensão que jamais esquecerei visto que não imaginava o que iria encontrar. Levei algum tempo a fazer o percurso, várias pessoas acercavam-se de mim e perguntavam-me o que é que lhes ia acontecer, o que tinham que fazer. Fui-lhes dizendo que as autoridades sul-africanas não nos iriam abandonar, para acreditarem neles, visto que eles nos ajudariam em tudo o que nós precisássemos.

Chegado ao portão perguntei ao polícia por quem me procurava, apontaram para um homem, era um conterrâneo dos meus pais que tinha sido contratado pelos meus familiares de Bloenfontein que estava pronto para me ajudar a sair daquele campo. Ficámos em conversa pondo-me ele ao corrente do que se estava a passar em Moçambique.A conversa prosseguia e por volta da 5 da tarde, vejo um jeep a cruzar o portão com várias pessoas, olho com curiosidade, e vejo a minha mulher e o meu filho. Foi uma comoção inexplicável. Tínhamos que sair dali foi o meu primeiro pensamento. Falei com o conterrâneo dos meus pais se ele podia assinar a papelada e ficasse responsável pela minha saída, pedido que de imediato aceitou. Não queria que os meus familiares vissem a angústia das pessoas que estavam no Campo de Refugiados.
Os quatro, dirigimos-nos ao improvisado escritório do oficial da polícia sul-africana, contei-lhe os meus propósitos e rapidamente assinou os papéis para sairmos do campo (nós não tínhamos qualquer documento). Deram-nos um "PERMIT" temporário, de 3 meses, o nosso amigo levou-nos à estação de comboios de Komartipor, pagou-nos os bilhetes até Bloemfontein. Foram cerca de 24 horas de viagem, não queria pensar mais no que tinha deixado para trás, ia para longe, fora do rebuliço de Johnnesburg que me seria desfavorável. Ficou para trás uma carreira militar, uma deserção, mas bem longe de governos VERMELHOS.
Fui bem aceite pela pequena comunidade portuguesa de Bloenfontein, o patriarca dessa comunidade o já falecido sr. Avelino, foi um homem chave na minha adaptação, à minha nova vida. O meu familiar, arranjou-me de imediato emprego, era algo que eu nunca tinha feito ou estudado. Trabalhava em ar condicionados, agarrei-me de alma e coração, trabalhei e estudei muito mas venci. Apenas um problema, estive três anos sem documentos. A minha mulher, e o outro meu filho, já nascido na África do Sul, já estavam completamente legalizados. A mimo consulado português, levou três anos a dar-me o B.I, a minha sorte é que a polícia de Segurança sul africana (CID), sabia muito bem da minha situação e foi-me dando periodicamente, autorização de residência.
Custaram-me muito estes três anos, não podia fazer planos futuros. Quando o consulado me entregou o B.I  e já com a residência permanente, a empresa para a qual trabalhava transferiu-me para Johannesburg. Uma nova etapa na minha vida.
Jamais esquecerei a ajuda que a CID, me prestou em todos os aspectos. No nascimento do meu segundo filho, fomos apoiados a nível de saúde e sem termos de pagar um cêntimo..

CHEGADA A JOHANNESBURG

Finalmente em Johannesburg, outra vida social. Grande parte dos meus amigos de Lourenço Marques, já lá estavam a viver. A comunidade portuguesa na cidade,  era enorme e estava bem organizada. Respirava-se melhor. Voltei a sorrir, esqueci grande parte das minhas angustias relacionadas com o 7 de Setembro. Já pouco se falava no assunto, comecei a ir ver jogos de Hockey, futebol, Basquete e até havia o Malhanga. Estava em casa.
Não queria terminar este depoimento, sem divulgar algo que ainda hoje para mim é um mistério.
Em 1984, encontro ocasionalmente, o Trajano da Mata, que alegria, ambos pensávamos que o pior tinha acontecido às nossas vidas.
Todas as 3ª no final da tarde, frequentava um café onde comprava o jornal Português editado na capital do Rand, mais o jornal ABola, visto que ficava a caminho de casa. O dono do café era natural da Beira e aproveitava para conversar um pouco antes de regressar a casa.
É numa dessas terças-feira que encontro o Trajano, que também era cliente assíduo desse café. Foi o primeiro encontro de muitos que fazemos questão de ter durante muito tempo. Interessante nunca falamos do passado, o passado ficou enterrado, conversávamos sobre a política portuguesa, da sul-africana, por vezes o Beirense entre as nossas conversas e o atendimento de um cliente, dava o seu palpite. O café ficava próximo de uma mina e como tal havia muitos pretos moçambicanos que se iam abastecer ao café que também vendia géneros alimentícios, excepto bebidas alcoólicas e seguiam as suas vidas.
Porém, certo dia um mineiro, aproximou-de nós e em bom português disse que gostaria de falar connosco, fora do café, olhámos para ele com curiosidade e anuímos.
De facto o homem era mineiro, encapotado, perguntou-nos se o podíamos ajudar, visto que o povo moçambicano estava a sofrer com a DITADURA de Samora Machel. Havia uma facção militar que não estava contente e que dentro de poucos dias chegaria a Johannesburg, um coronel, que necessitava de ajuda médica e queria entrar em contacto com o governo sul-africano. Ficámos parvos, nem queríamos acreditar no que estávamos a ouvir. Combinámos encontrarmo-nos no mesmo café dois dias depois. 
O Trajano continuava a ter ligações com Pretória e ficámos de conversar no dia seguinte. A minha adrenalina começa a mexer, tinha prometido à minha família que não me metia em mais complicações.
No dia seguinte, o Trajano diz-me que tinha um contacto em Pretória e que estava pronto a conversar com o Coronel moçambicano.
Informámos o "mineiro" e este ficou de nos avisar da data que o oficial da FRELIMO chegaria. E, assim foi. Ao cair da tarde desse dia, eu e Trajano, e o "mineiro", fomos para o Hotel onde o Coronel estava hospedado. Quando subimos ao seu quarto o oficial estava a trocar o seu camuflado por roupaà civil. Feitas as apresentações, seguimos de imediato para Pretória. aqui chegado fomos ao encontro de um sul-africano. Feitas as apresentações eu e o Trajano afastámos-nos, para os dois conversarem à vontade.
Nunca soubemos o que falaram e francamente nunca me interessou. De regresso a Johannesburg, deixámos o Coronel no seu Hotel e o "mineiro" perto do café.
Vim para Portugal em Agosto de 1986, em Outubro desse ano, Samora Machel, morre num "acidente" aéreo. Este "acidente" ainda hoje tem muitos contornos especulativos. Para mim, o "acidente" teve as "mãos" do tal Coronel e das autoridades sul-africanas. Sem provas em contrário, até a CIA (USA) tem essa precessão.
Foi o virar de página da História de Moçambique.

  
Fim



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