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segunda-feira, 2 de março de 2015

As Crónicas da Guerra em Moçambique.Retirado do livro Dias de Coragem e de Amizade!..


Com a guerra aberta em Angola e na Guiné, o governo de António Salazar sabia que era apenas uma questão de tempo até o "terrorismo" se estender a Moçambique. Era nesta província ultramarina que se concentrava a nata dos colonos portugueses. A maioria tinha mais instrução do que aqueles que optavam por emigrar para França ou Angola e o número de homens era semelhante ao de mulheres.
O receio do alastramento da guerra levou as autoridades a intensificarem a repressão policial aos contestatários do regime. O conforto mais relevante ocorreu em Mueda, a 16 de Junho de 1960. Milhares de agricultores exigiram melhores condições de vida e foram massacrados.
E foi por pressão de Julius Nyerere, da Tanzânia, que os movimentos dispersos acabaram por se fundir, a 25 de Junho de 1962, em Dar-es-Salam, numa única organização, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), liderada por Eduardo Mondlane.
Antigo estudante universitário na África do Sul e em Lisboa, Mondlane acabou por imigrar para os Estados Unidos onde deu aulas na Universidade de Columbia e onde trabalhou no secretariado da ONU.
O primeiro presidente da FRELIMO tornou-se uma figura carismática.
Os primeiros grupos de guerrilheiros, treinados na Argélia, começaram a entrar em Moçambique, vindos da Tanzânia, em Agosto de 1964.
Nesse mesmo mês, a FRELIMO fez a sua primeira vítima, o padre de Nangololo, segundo o relatório do BCAÇ 558 de 24 de Agosto.
A 24 e 25 de Setembro, a FRELIMO lançou ataques na zona de Mueda. Ao mesmo tempo, no Niassa, eram atacados o posto de Cóbué e, no lago, a lancha "Castor".
Ao contrário do que aconteceu em Angola, os primeiros confrontos não fizeram vítimas entre os colonos. A esmagadora maioria estava fixada no litoral, em Lourenço Marques e na Beira, onde a vida prosseguia normalmente, sem o mínimo contacto com a violência. Isto também facilitou a progressão da FRELIMO que, sem resistência, alargou a sua acção para sul.


A primeira contra as forças portuguesas acabou por acontecer apenas a 16 de Novembro, num ataque ao posto de Muidumbe, na região de Xilama.
A diplomacia portuguesa soube jogar as suas peças. Em troca da cedência à França de uma base na ilha das Flores e da base de Beja à Alemanha, os governos de Paris e de Berlim vendiam a Portugal as munições e o armamento necessário à manutenção do controlo das "províncias ultramarinas". Só na década de 1960, a Alemanha vendeu a Portugal 226 aviões de combate. 

Em África, o governo de Salazar criou uma série de "entendimentos" regionais. Primeiro com o regime Ian Smith, que a 11 de Novembro de 1965 proclamou a independência da Rodésia. O resultado foi o bloqueio do porto da Beira pela armada britânica, em Janeiro do ano seguinte, para impedir o fornecimento de petróleo à Rosário. Problema que foi contornado com esse mesmo abastecimento a ser feito através da África do Sul. A passagem de guerrilheiros da FRELIMO da Tanzânia para o Malawi e daí para território moçambicano também foi resolvida. Jorge Jardim, uma espécie de agente secreto do governo, chegou a acordo com o presidente Hasting Banda, para formar unidades especiais comandados por portugueses, no Malawi, e também para criar uma força naval no Lago Niassa,....também ela dirigida por oficias portugueses. Ler a crónica de Francisco Manuel Lhano Preto.
Ainda assim, a componente militar não foi descurada. No final de 1964 Portugal, com  mais de 84 mil soldados distribuídos pelos três teatros de guerra. Em Moçambique...18 mil  número que viria a aumentar até aos 51 mil em 1973.
Os guerrilheiros, a partir de 1969 liderados por Samora Machel, actuavam em pequenos grupos, faziam emboscadas e minavam estradas e pistas. Eram mesmo as minas os piores inimigos das tropas portuguesas.
Apesar de ter sido o território com menos anos de conflito, foi em Moçambique que as tropas portuguesas tiveram o maior número de amputados: 697, contra 480, em Angola e 540 na Guiné. As estatísticas oficiais dizem que 1481 militares morreram em combate, 234 em acidentes, com armas de fogo, 467 , em acidentes de viação e 780 por outras causas. Ao todo,morreram  em Moçambique, 2962 soldados e foram feridos 3455.
Com o 25 de Abril de 1974, Lisboa entregou os territórios ultramarinos aos movimentos de libertação
A guerra em África terminou para os portugueses. Só para começar um novo conflito, desta vez entre africanos.

                                     1ª Crónica


FRANCISCO MANUEL LHANO PRETO

 DESTACAMENTO DE FUZILEIROS ESPECIAIS Nº 9
COMISSÃO:1971-1973
COMISSÃO ESPECIAL:1973-1974
Deixei de ser o Francisco Preto e passei a ser o Mr.Lhano
 No final da primeira comissão,foi convidado para para participar numa missão secreta no Malawi:comandar a Marinha no Lago Niassa.Durante mais de um ano viveu como um inglês incorporado nas forças do regime de Hastings Kamuzu Banda.Até que foi preso depois do 25 de Abril.

Cheguei a Moçambique em 1971.Era o 2º Comandante do Destacamento de Fuzileiros Especiais nº9.Nos dois anos de comissão só tivemos um morto.
No final da minha primeira comissão,fui convidado para participar numa comissão especial já em curso:a criação da "Marinha do Malawi".Quando precisava de se deslocar para sul do lago Niassa,a Frelimo saía da Tanzânia e entrava em Moçambique através do Malawi.Era preciso controlar o Lago.Foi o que fêz o CEMA da Marinha,o Almirante Reboredo e Silva,através de negociações com o governo malawiano.Aceitei a proposta,o ministro da Marinha deu-me baixa de serviço e assinei umcontratocom o Jorge Jardim,que era o cônsul do Malawi na Beira e tornei-me o comandante da Marinha do Malawi,no Lago Niassa.Na altura era segundo tenente e auto promovi-me a "Captain",com três riscas iguais às de Mar-e -Guerra inglês.estavam comigo mais um oficial,três cabos e dois marinheiros que foram promovidos a sargentos.
Este processo não só ajudou a controlar os guerrilheiros,como também resolveu o problema do transporte de combustível para a base de Metangula.Quando lá cheguei já tinha sido feito um contrato com a OILCOM,que nos fornecia combustível através do lago.Para o transporte,íamos a Dakota numa lancha de desembarque,que tinha sido transformada e pintada com as cores da SONAP,uma empresa de combustíveis.
Além das informações precisávamos,essencialmente,de controlar o lago Niassa.Por isso,Portugal cedeu três lanchas.Duas de combate,a JOHN CHILOMBWE (antiga CASTOR) e a CHIBISA ( antiga RÉGULUS),e uma mais pequena de treino e pesca,a LIMPASA.
Nós estávamos a maior parte do tempo em NKHATA BAY,onde tínhamos a base naval e em MONKEY BAY,que era mais sossegado.Havia lá um motel e um restaurante que foi comprado por um sul-africano que, a meu ver ,era espião.Foi ele que me disse que tinha havido o 25 de Abril.Como já vinha ouvido nas rádios, outras tentativas de golpe,muitas delas inventadas pela Frelimo,continuei a patrulhar e fui para norte.
Uns dias depois,como ninguém se entendia em Portugal,eles quiseram saber o que se ia passar.E perguntaram-me: Como é?Porque nós é que dominávamos o lago.Eles tinham umas lanchas pequenas,atribuídas à polícia,mas as grandes,com armamento pesado e metralhadoras,eram as nossas.Só que nessa altura quem é que sabia em Lisboa o que se passava no Malawi e que nós estávamos em missão secreta?Tive de resolver o problema e garantir que iria manter a esquadra mesmo que houvesse problemas em Portugal.A coisa aliviou.Mas depois o presidente BANDA disse à polícia para me levar a BLANTYRE.

No Malawi ...isso significa prendam esse gajo e tragam-no.Assim foi.Nesse fim de tarde estava com a JOHN CHILOMBWE fundeada e a LIMPASA atracada ao lado, quando comecei a ver indivíduos fardados de polícias a entrar nas lanchas sem autorização.Vinham com o pessoal da minha guarnição.Entrámos em negociações.Combinei que ia com eles,mas que a LIMPASA saía logo para Moçambique.Depois de falar com Metangula dei ordens para a JOHN CHILOMBWE zarpar no dia seguinte com a guarnição se eu não voltasse.
No caminho para Blantyre,parámos para almoçar em LILONGWE.Fui à casa de banho e pedi à recepcionista, para me ligar para o número do Embaixador Português.Atendeu-me sua esposa ....quando cheguei a Blantyre,as coisas já estavam mais ou menos conversadas.
Depois disso,o comandante-chefe mandou-me ir a Moçambique.Eu tinha contrato até 15 de Junho,mas eles pediram-me para continuar mais tempo.Fiquei só com um cabo e o Berbereia Moniz.Quando regressei,o governo do Malawi tentou convencer-me a permanecer lá depois da independência de Moçambique.Quando estive em combate recebia uns cinco mil escudos mensais.Ali ganhava 25 mil,mais sete mil KWACHAS para despesas.
Com as negociações para a entrega de Moçambique à Frelimo,foi decidido que as nossas lanchas ficavam no Malawi.Então em Julho fui a Blantyre para a entrega oficial e depois deveria regressar a Moçambique.Na véspera ao telefone, com o Embaixador ...disse-me:amanhã esteja às 07H00 na embaixada ,para tirar um passaporte Português, porque às 15H00 vamos cortar relações diplomáticas com o Malawi. Claro que já não houve entrega nenhuma.
Nós deveríamos regressar a Moçambique numa lancha Portuguesa que em princípio iria transportar um jeep,que seria entregue ao Malawi e trazer de volta as armas pesadas da JONH CHILOMBWE e da CHIBISA.

Em Moçambique tiveram a informação que tínhamos sido presos.Por isso,foram preparados para tudo,Estávamos em Monkey Bay ,a 27 de Julho,quando vimos uma quantidade de fuzileiros a colocar os zebros dentro de água.Fizemos sinal e eles perceberam que estava tudo bem e desembarcaram como se fosse uma coisa pacífica.Acabámos por entregar as lanchas mesmo ali e voltar para Moçambique.Sem mais cerimónias.